sexta-feira, 29 de maio de 2020

A beleza do caminho


Ultimamente tenho ido a pé para o trabalho. Meu trabalho fica perto da minha casa, cerca de setecentos metros mais ou menos (o que dá uns sete ou oito quarteirões). Por isso, levanto as seis e trinta da madrugadaça (risos) e demoro uns cinco minutos para conseguir abrir apenas um olho – geralmente o esquerdo. Com os dois olhos já abertos eu vou ao banheiro escovar os dentes, coloco a roupa do serviço e vou para o trabalho.

Indo a pé ao trabalho, vou percebendo todos os detalhes do caminho. Abrindo o portão de casa já me deparo com a grama verde do meu jardim, com o ipê-amarelo cada dia maior no limite entre a calçada e a rua. Percebo materiais de construção na calçada do vizinho e sei que pela décima vez em cinco anos ele deve estar reformando o fundo da casa dele. Algumas casas adiante eu vou para a rua porque sei que tem cachorros que espreitam nas sombras, com algum tipo de espírito maligno dentro deles, só para me fazerem pular da calçada para a rua com o susto (assim eu poupo o trabalho deles).

Uma leve descida para relaxar e logo vem a grande subida, antes de chegar ao meu destino. Mas sem antes passar pela pracinha do buracão - carinhosamente chamada assim desde que conheço. Pessoas a atravessam indo para os seus trabalhos, alguns a atravessam voltando para suas casas depois de ter trabalhado à noite. O mercadinho em frente já está aberto vendendo pão para o café dos moradores das redondezas.

Enfim, a grande e temida subida, enfrentada com coragem por este que vos escreve, ofegante sim, porém corajoso. Mesmo em meio a essa luta com a tão imponente subida consigo curtir o momento. Subo pela calçada, mas tenho que ficar desviando dos galhos de uma árvore que provavelmente precisa de uma poda. Ao final da subida tem uma porta de um comércio que nunca a essa hora está aberta. O nome desse comércio sempre me chamou a atenção e mesmo sabendo que ele sempre está ali, eu faço questão de ler e imaginar o porquê do nome Meloso´s Car (deve ser o apelido do dono).

Chego enfim ao meu trabalho com uma sensação tão boa que, sei que se eu fosse de carro ou moto eu não a teria tal. Refleti em alguns aspectos, olhei jardins, cumprimentei pessoas, enxerguei detalhes de algumas casas pelo caminho que nunca havia notado. Andei sem pressa, andei curtindo cada passo, olhando cada árvore com atenção, cada pássaro, cada cachorro, cada gato ou pessoa. Senti cheiro de café, de pão, de grama cortada. Ouvi carros e motos passando, passarinhos cantando, televisões ligadas. Toquei nas folhas, nas grades, nos muros. Falei bom dia, oi, como vai, até mais tarde.  

O caminho é para ser vivido e não apenas para passarmos por ele. Como dizia aquela cantora, “a felicidade está no caminho e não no final”. Temos tanta pressa para chegar, como temos para irmos embora. Saímos de carro a toda velocidade e não respeitamos idosos atravessando a rua, não respeitamos mães com carrinhos de bebês e passamos depressa por perto deles. E quando chegamos ao nosso destino vemos que perdemos toda a beleza do caminho. Perdemos todas as sensações de prazer que o caminho nos proporciona. Mas confesso que, durante a tão malvada subida eu penso em ganhar uma carona que me leve até o topo.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Os Pontos...

           Esses dias, enquanto revisava um conto que eu havia escrito, deparei-me com algumas indagações sobre o ponto, é, o ponto, este que vai estar logo ao final desta frase. Viram? Mas as indagações vieram para a vida real. Qual é o ponto da vida em que precisamos terminar uma frase ou um longo parágrafo? Quando devemos dar um ponto, para recomeçarmos logo após ou quando devemos dar um ponto final e começar outra linha?

Todos os dias ao entardecer eu me visto para correr e calço meus tênis. Saio pela rua da minha casa, passo por uma praça, sigo em frente até chegar a uma estrada de terra e por lá eu começo a correr. Ali, sozinho , correndo a passos largos eu vou pensando e digerindo o meu dia, digerindo o que falei para alguém, digerindo relacionamentos, cobranças, trabalho, amores. Ali , em meio às minhas reflexões, acontecem vários pontos na minha vida, alguns pontos finais e outros tantos pontos que servirão para eu recomeçar no próximo dia.

Em um desses dias eu recebi pelo menos uns dois pontos finais que eu não desejava. Dois pontos finais que foram como balas atiradas de um revólver que atingiram bem no meio do meu peito. Corri desesperado por aquela estrada de terra. Eu estava ofegante, mas não conseguia parar – queria que tudo aquilo fosse embora dos meus pensamentos de uma vez. Por isso corri, corri, corri e corri ainda mais e decidi não olhar para trás. O sol foi caindo devagar no horizonte e aquele dia lindo foi se acabando. A noite foi caindo e eu já fazendo o caminho de volta corria um pouco mais devagar. O sol sumiu diante dos meus olhos e uma noite linda surgiu (com uma lua crescente maravilhosa, com as estrelas que ainda não se via claramente e com as luzes da cidade que dali eu conseguia ver acendendo).

Andando os últimos metros antes de chegar em casa, cansado e suado, lembrei-me vagamente daqueles dois pontos marcados no meu peito. Decidi então que não iriam ser pontos finais mortais, mas dois simples pontos de uma história que no próximo dia eu voltaria a escrever. A minha vida está cheia de pontos, pontos finais, dois pontos, reticências e até pontos de cicatrizes já bem curadas e algumas ainda por curar. Mas o ponto final ainda está longe de chegar.

 

João Pinheiro (joazinhopinheiro.escritor@gmail.com)