Para quem não conhece, “Tetris” é um jogo eletrônico tipo
quebra-cabeça, formado por peças que vão caindo pela tela e o jogador tem que
ir encaixando as peças até que se forme uma linha perfeita na parte de baixo da
tela. Quando formada, esta linha é eliminada. Se o jogador não for conseguindo
eliminar essas linhas, as peças vão amontoando até chegar ao topo da tela impedindo
que mais peças caiam (nessa hora o jogador perde o jogo, pois não conseguiu
encaixar as peças corretamente). Este jogo foi popular nos anos 90 aqui no
Brasil e muita gente jogou, inclusive eu.
Analisando esse jogo lembrei-me de
algumas situações em que as peças das nossas vidas não se encaixam. E nessa
hora estamos deslocados, não correspondemos aos padrões que esperam de nós.
Todas as outras peças bem encaixadas olham para nós com desconfiança e até
desprezo. A engrenagem está andando, todos se sentem confortáveis, mas vem
aquela peça deslocada e acaba com a paz de todos. É fácil elas aceitarem uma
peça perfeita que caiba no espaço que falta, o difícil é aceitar uma peça mal
colocada.
A sociedade vive em uma bolha de
perfeição, de comportamentos adequados, de pessoas que são exemplos de algo, de
família e de certo e errado. Os chamados desajustados vivem à margem desta sociedade,
tendo que conviver com o preconceito, com a discriminação, com o isolamento
(não esse isolamento social que vivemos). Alguns convivem com a culpa de serem
diferentes, pois simplesmente não são aceitos no meio em que vivem. Esses
desajustados se forem fracos, vão sofrendo, sofrendo e sofrendo mais um pouco,
até que talvez não aguentem.
Os ditos perfeitos vão cada vez mais expulsando
os imperfeitos para fora dos seus convívios. Vão os ignorando, vão evitando
contatos e preferem não conviver. Os ajustados não querem ver sua vida
bagunçada por algum desajustado, o conto de fadas de uma vida perfeita não pode
ser desconsertado e nem estremecido por alguém que pense diferente. A
diversidade e a pluralidade de pensamentos não podem intervir em uma vida dita “perfeita”.
Ou você, desajustado, se molda à vontade da maioria, ou você não servirá para
eles. Há séculos as pessoas vivem assim, aceitando só o que foi-nos dito que é
normal e repugnando aquilo que é diferente. O preconceito não é só contra cor
de pele, é também contra pensamentos e atitudes que diferem da maioria. Se a
maioria de um determinado grupo pensa de uma forma e alguém que seja
considerado um desajustado dá alguma ideia diferente, é prontamente descartado
sem sequer pensarem no que ele falou. Assim ele vive cada vez mais à margem
deste grupo.
Muitos desajustados do passado são hoje
considerados grandes gênios da matemática, da física, da literatura, música,
cinema, política, etc. Nesses casos, aqueles que eram considerados errados agora
são exaltados pelos mesmo que os criticavam. Acontece que, nem todos os
desajustados conseguem alcançar um reconhecimento desse tamanho e vivem cada
vez mais isolados, mesmo vivendo dentro de uma sociedade. Essas pessoas não têm
voz onde estão, não têm poder de influenciar, não têm poder de conviver ou de
conquistar a empatia da maioria “perfeita”. Os ajustados, na maioria das vezes,
sabem olhar muito bem o erro dos outros e minimamente os próprios erros. Sabem
como ninguém apontar o dedo, mas se um desses diferentes ousar lhes apontar o
dedo, o leite azeda na hora.
É a grande hipocrisia da humanidade que
aprendemos desde criança a aceitar e ter como certa. É o grande círculo do
preconceito velado, do fingir que não viu, do fingir que não entende. É esse
mecanismo incrustrado na convivência das pessoas que vai deixando o mundo e as
pessoas cada vez mais individualistas e separadas, cada um vivendo uma verdade.
O pluralismo de ideias, de pessoas, de raças, de cores, é o grande presente que
a vida nos deu, e quanto antes aprendermos a usar este presente para o bem da humanidade
melhor o mundo estará (ser diferente não quer dizer ser errado).
João Pinheiro
joaozinhopinheiro.escritor@gmail.com
Desafinando o coro dos contentes desde que me conheço por gente.
ResponderEliminarEste texto é esplêndido!
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