sexta-feira, 17 de julho de 2020

Saudade da praça (e dos “parças”)



Mais um dia se inicia e lá se vão os mascarados. Mais um dia corrido e a pressa para não perder o ônibus corre ao lado. Se antes, por correrem atrás dos ônibus já ficavam ofegantes, hoje ficam ainda mais. - Corre! Ei, motorista, me espere. Que sufoco. Uma falta de ar os assola neste momento. Diria até mais, falta de amor, de carinho, de toque, de saliva, de abraços, de conversas, de amigos, de bares, baladas, balas, chicletes e falta da praça.

Praça ou “parças”? Praça mesmo (mas também dos “parças”). Que falta a praça me faz. Andar pelos seus caminhos largos e sinuosos. Comer pastel, um crepe ou um lanche, tomar um suco ou um refrigerante. Ficar ali de bobeira vendo as pessoas passarem com seus filhos, netos e até bisnetos. Vendo casais jovens, de meia-idade ou outros casais já naquela idade que é tanta sabedoria que o corpo padece. Como faz falta ver as pessoas se divertindo, saindo com os amigos, com os pais e com os filhos.

Faz muita falta sentar à sombra daquelas árvores que estão ali há muito tempo acompanhando cada pessoa que por ali passa. Se elas falassem acho que seriam uma ótima companhia para sentar e bater uma prosa. Elas contariam do tempo em que ali era apenas um terrão danado. E se lembrariam de quando as primeiras pessoas chegaram, quando o primeiro trem apitou chegando à estação. Quando as primeiras pessoas cantaram no antigo coral. E com certeza lembrariam com tristeza do dia em que o demoliram. Talvez até uma gota triste de seiva escorresse de suas cascas.

Essas árvores contariam como viram cada cidadão da nossa pequena cidade nascer, crescer, subir em seus galhos e pousarem iguais a um passarinho. Contariam como fulano, uma vez, brincando de esconde-esconde, escondeu-se atrás do seu tronco e as outras crianças não o achavam. Elas se lembrariam dos tempos em que as torcidas comemoravam os títulos dos seus clubes por ali. Hoje elas certamente estão tristes esperando por uma companhia, esperando para ver mais uma criança crescendo e virando um adulto. São tempos difíceis para nós e para elas também.

Eu sinto a falta da praça e dos “parças”. Sinto falta de cumprimentar dando a mão para alguém, já que agora nos cumprimentamos com o cotovelo – que jeito mais sem sal e sem açúcar de se cumprimentar alguém. Mas é o que temos para hoje, cumprimentos com os cotovelos, rostos mascarados e uma esperança louca de que tudo isso vire passado o mais rápido possível. Vivemos com a esperança de que acordaremos amanhã com alguém aplicando uma injeção em nosso braço e dizendo com uma voz suave – pronto, acabou! E com certeza será a injeção mais gostosa que tomaremos na vida.

 

Joao Paulo Pinheiro Tonon

Joaozinhopinheiro.escritor@gmail.com


sexta-feira, 10 de julho de 2020

Não deixe para depois



A semana, apesar de o domingo ser o primeiro dia oficialmente, só começa na segunda-feira. A segunda é o  primeiro dia não oficial, pois é o dia que a maioria vai trabalhar. O primeiro dia de um mês é o dia primeiro, mas se ele cair em um sábado o mês só começa pra valer no primeiro dia útil seguinte. Assim é também com o ano, começa no primeiro dia de janeiro, mas geralmente é um feriado emendado a um final de semana, e aí então dizemos que o ano só começa na segunda-feira. Por isso, acabamos depositando todas as nossas esperanças nesse dia, a tão famosa segundona brava.

Por exemplo, se temos que fazer algo, começar um novo projeto, um novo estudo, sempre esperamos chegar a segunda, ou o próximo mês ou o próximo ano. Geralmente nos esquecemos daquele velho ditado - não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. Por que postergar algo pra a próxima segunda, para o próximo mês, ou pior, para o próximo ano? É medo de enfrentar? Será apenas um hábito? Na verdade eu também não sei. O que eu sei é que qualquer dia é dia para começar. Não precisamos nos esconder até a próxima segunda. Podemos dar a cara a tapa na terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo, no dia dois, três, quatorze, enfim, todos os dias são feitos de começo e fim, então pra que esperar o primeiro dia da semana?

Será que existe uma regra que só se pode começar algo no começo da semana? Se existe eu desconheço. Não precisamos chegar no dia primeiro de janeiro para iniciarmos um dieta, não precisamos do começo do mês para parar de fumar, parar de beber, ou para começar a fazer exercícios, para dar um jeito no quartinho da bagunça, por exemplo. Não precisamos da segunda-feira para iniciar algum estudo, algum curso, ou realizar algo que almejamos. Não são só as semanas, meses e anos que têm começo, todos os dias têm seus começos. E não precisamos também esperar um dia para mudarmos, podemos mudar agora, no meio de um dia, no meio de uma semana. Qualquer hora do dia ou da noite é a hora perfeita para a mudança.

Talvez se esperarmos muito, ou esperarmos o dia primeiro ou a segunda, pode ser que a vontade passe, pode ser que esqueçamos daquilo que tínhamos nos comprometido a fazer. Se deixarmos para amanhã o tempo passa e não volta mais. Todos os dias são iguais e repletos de chances para começarmos ou terminarmos algo. Procastinar é adiar uma ação e, a não ser que seja vital o adiamento, não procrastine.

João Paulo Pinheiro Tonon

joaozinhopinheiro.escritor@gmail.com

 

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Sobre não Sermos Previsíveis




Quantas vezes acordamos com vontade de fazer algo que realmente nos traria satisfação, mas não fazemos. Talvez por medo ou receio do que iriam falar. Talvez por acharmos que não compensa ou não iria ser tão legal assim. Ou simplesmente por não termos a disposição, a coragem e a vontade necessária para irmos atrás daquilo que buscamos. "Alerta", este não é um texto de autoajuda, é só sobre uma inspiração que veio de uma frase, que por acaso eu ouvi em algum filme e que agora não me lembro em qual foi.

Quando foi a última vez que fizemos algo realmente diferente e emocionante em nossas vidas? Quantas vezes por semana ousamos fazer algo diferente, algo surpreendente, algo que nos desafiaria? Ficamos por muitas vezes acomodados e sentados em cima daquilo que nos é fácil. Cobrimos o fácil com um edredom quentinho, fechamos a janela para não deixá-lo escapar, colocamos cerca elétrica, aumentamos o muro e adotamos um cachorro enorme, tudo para defender nosso mundo de facilidades.

O cômodo não precisa de explicações, é simplesmente fácil de se estacionar nele, é fácil entrar e sair, é fácil dormir e acordar, enfim, está tudo pronto, é só continuar vivendo e fazendo tudo igual para não termos trabalho. Basta colocarmos nosso despertador no mesmo horário, fazermos sempre as mesmas coisas, andarmos sempre com as mesmas pessoas, não nos darmos a chance de conhecer pessoas diferentes, termos sempre o mesmo itinerário, andarmos sempre pelas mesmas ruas. É simples continuarmos a sermos sempre iguais. Difícil é ser ousado e fazer algo diferente, ser alguém diferente.

Geralmente temos medo da mudança, medo do novo e aceitamos o velho mesmo. É o famoso simples que dá certo. Mas se não queremos mais o simples, se queremos algo a mais, ou queremos algo que sempre sonhamos, é preciso audácia, é preciso ser destemido(a), sair do conforto das coisas rotineiras que nos cercam. Muitos sucessos não são alcançados só porque temos medo de que não dê certo, ou pelo receio de algum tipo de pensamento minimalista que nos cerca. Muitas coisas são inventadas e esquecidas em gavetas, porões, casas abandonas ou esquecidas em pensamentos que deixamos de por para fora (os pensamentos vêm e achamos que seria uma completa idiotice e depois esses pensamentos se perdem no meio de um vazio de outros pensamentos). Então, um certo dia, vemos em algum lugar alguém fazendo exatamente aquilo que achamos que seria chato, e aí pensamos: Eu deixei de por pra fora aquele pensamento e outra pessoa o fez por mim.

Enquanto continuarmos nos cercando de medos inexistentes, de falsas vergonhas, enquanto continuarmos a viver em uma bolha de comodismo e não ousarmos, seremos sempre os mesmos. Continuaremos previsíveis e fáceis de se decifrar. Teremos sempre os mesmos papos, os mesmos jeitos, mesmos gostos e seremos sempre um refresco sem açúcar. O medo vai sempre estar aí para todo mundo, resta querermos enfrentá-lo ou não. É preciso sairmos da nossa zona de conforto, vermos as coisas de uma outra maneira - antes que algo nos force a enxergarmos as coisas de uma outra perspectiva. Muitas pessoas passam por traumas e passam a ter coragem de enfrentar um desafio, passam a valorizar outras coisas que antes desprezavam. Mas não precisamos esperar que algo assim aconteça para tomarmos atitude e fazermos aquilo que sempre tivemos vontade. Não é preciso perder algo para se ter vontade de vencer. Basta enfrentarmos o nosso medo e seguir em frente seja lá o que vier para impedir o nosso crescimento.

 

João Paulo Pinheiro Tonon

joaozinhopinheiro.escritor@gmail.com

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Detalhes




Todos os dias somos bombardeados por uma série de coisas das quais podemos extrair algum ensinamento ou simplesmente deixar pra lá. Pode ser uma notícia, uma música, um filme, uma pessoa que encontramos na rua e nos diz alguma coisa aparentemente sem significado, mas que depois pensamos, analisamos e vemos que era precioso. Tudo o que nos cerca no nosso dia a dia está carregado de ensinamentos ( bons ou maus ) e basta fazermos a escolha certa. Aprender com os erros é bom, mas aprender para não errar é melhor. 
No filme “Batmam – O Cavaleiro das Trevas, tem uma frase que chama a atenção que é a seguinte: a noite sempre é mais escura antes do amanhecer, e já vai amanhecer. Como não tirar proveito de algo assim e deixar simplesmente essa frase passar? Não se pode ficar inerte frente a algo tão valioso assim. Tem outro filme que me lembro que tem outra frase muito valiosa. O filme é "Casamento Grego", uma comédia romântica leve e deliciosa de assistir. A certa altura do filme, quando a protagonista está vivendo junto com seu noivo, há um choque de culturas entre as duas famílias que são muito diferentes, o irmão da garota fala para ela assim, "não deixe seu passado impor quem você é, mas deixe ele ser parte de quem você vai se tornar. Assim que ouvi essa frase eu peguei um pedaço de papel e a escrevi rapidamente para não perdê-la e para que eu pudesse ler até que ficasse incrustada na minha mente.
 Conversando sobre esse assunto com uma tia minha que chegou de viagem, ela me contou uma história mais ou menos assim. Antes de existirem pessoas na Terra existia uma ilha onde moravam todos os sentimentos: esperança, amor, raiva, vaidade, felicidade, entre outros. Um dia a ilha começou a afundar e cada sentimento pegou seu barco para navegarem até outra ilha. Apenas o amor não tinha barco e a água foi lhe cobrindo por inteiro. Ele pediu para entrar no barco da vaidade mas ela não o quis pois ele já estava molhado e sujo. A felicidade estava tão contente que nem viu o amor se afogando. A raiva estava cega de nervoso e nem que o enxergasse daria carona ao amor. De repente um barco com um velhinho apareceu e este estendeu a mão ao amor e o colocou dentro do barco. O senhor deixou o amor em uma ilha segura e partiu. O amor, de tão apavorado que estava nem conseguiu perguntar o nome daquele simpático homem. Ele perguntou à felicidade quem era aquele homem, e ela então respondeu que aquele senhor era o tempo.
Não quero aqui ficar falando que o tempo cura tudo (o que é verdade mas é muito clichê), nem falar para se ter esperança quando a noite está muito escura (o que também é verdade), quero falar para estarmos atentos a tudo o que nos cerca. Tudo nos ensina algo e só precisamos estarmos atentos. Não podemos desperdiçar uma conversa com alguém desconhecido, um bom dia para alguém na rua ou ver alguém precisando de ajuda e fingir que não vimos. A vida nos ensina a cada passo que vamos dando, e até uma coisa que você deixou de fazer pode te ensinar mais pra frente que era preciso ter feito tal coisa. São os detalhes que realmente importam e se perdemos esses detalhes pela estrada estaremos realmente pobres.
A vida é uma grande escola e os professores estão espalhados por aí em forma de pessoas, animais, situações cotidianas, filmes, músicas, teatro, trabalho, amizade e até nas inimizades, até nos inimigos. Se soubermos olhar com a humildade de um aluno que sabe pouco mas que está sedento por aprender mais, deitaremos todos os dias em nossas camas um pouco mais sábios. E quem sabe ao final desta jornada não chegaremos lá na frente como mestres em viver a vida e doutores em aprender com ela.

João Paulo Pinheiro Tonon
joaozinhopinheiro.escritor@gmail.com

sexta-feira, 19 de junho de 2020

A saudade que fica


Eu sou um cara que gosto de caminhar, de correr, andar a pé e de carro. Andar acompanhado ou sozinho, tanto faz. E quero continuar caminhando por esta Terra até os meus mais longínquos anos, até quando minhas pernas não aguentarem mais, até quando meu cérebro não conseguir mais dar sinais aos meus membros, enfim, quero caminhar, correr e viver até os meus duzentos anos.

Mas além da caminhada física existe a caminhada da vida, que mesmo que eu esteja andando perfeitamente pode ser que o meu caminhar morra por agora. Ou pode ser que meu corpo já não consiga mais ficar de pé e mesmo assim estarei caminhando por este mundo que vivemos. Há pessoas que caminharam muito por aqui e deixaram sua marca, outras que caminharam pouco e também deixaram a sua assinatura por aqui. Talvez uma longa vida tenha apenas uma breve história e uma vida curta seja um romance épico.

Há uns dias perdi um grande amigo, não só eu, mas muitos que conheço também perderam esse cara. Ele partiu cedo, uma breve caminhada por essa longa estrada da vida, mas que deixou uma marca enorme no coração de muitos que aqui ficaram. Um buraco se abriu em meu peito e um misto de tristeza e raiva, por ele ter partido tão cedo e sem se despedir, tomou conta de mim - e como sou chorão não pude conter as lágrimas que pulavam dos meus olhos sem parar, e não havia lenço ou óculos escuros que pudessem escondê-las.

A vida de uma pessoa aqui na Terra é apenas um cisco se comparada à imensidão do tempo e da vida que está neste planeta há milhões e milhões de anos. Mas ela pode ser eterna se a pessoa deixou por aqui amigos e amores com quem compartilhou sua breve história. Esse amigo me deixou a saudade de suas risadas, de sua simpatia, deixou a saudade dos nossos brindes, das piadas e das brincadeiras. Deixou a lembrança dos bons momentos vividos juntos assistindo aos jogos do nosso time, fazendo churrascos e uma série de outras coisas que se fosse escrever dariam um livro enorme.

A caminhada dele foi breve se comparada a de outras pessoas que vivem até seus oitenta, noventa ou até aqueles que chegam a cem anos. Mas deixou um buraco no coração daqueles que o conheciam, um buraco que dificilmente será preenchido. Sempre que entrarmos naquele determinado lugar vai ser difícil estar lá, não vê-lo e não derramar algumas lágrimas. Escrevo agora com os olhos embaçados pelas lágrimas que ainda escorrem quando penso nele. Tudo de bom que ele foi tem um pouco guardado em cada pessoa que o tinha como amigo, mas ficou também a saudade de termos um último brinde, uma última risada ou simplesmente um último aceno de até logo.

Descanse em paz meu amigo, a saudade que aqui se instalou será eterna até que eu e outros amigos seus se forem também. É difícil escrever este texto pois escrever e chorar ao mesmo tempo dá trabalho. Enxugo as lágrimas e escrevo algumas palavras, enxugo mais algumas e escrevo outras letras. Tem horas que nem dá tempo de colocar uma vírgula e as lágrimas estão novamente escorrendo pelo meu rosto. Enfim, essa é uma pequena homenagem, e escrever é o jeito que sei de demonstrar meu sentimento a alguém. Um amigo que eu fiz recentemente falou para que eu escrevesse algo em homenagem a este amigo meu que se foi, então esse texto é pra você, Zoio. Você se foi e a saudade perdura no coração de todo os seus amigos e familiares que aqui ficaram, tenho certeza.

 

João Paulo Pinheiro Tonon

joaozinhopinheiro.escritor@gmail.com

sexta-feira, 12 de junho de 2020

A semente, o fruto e a colheita

Esses dias, enquanto recebia uma notícia ruim de um grande amigo falecido, também recebi a notícia do nascimento da filha de outro grande amigo. Foi um misto de emoções, e num intervalo de segundos eu chorava de tristeza e logo depois, chorava de alegria. As lágrimas rolavam pelo meu rosto sem cessar. Eu estava incrédulo por causa da morte, porém radiante com o nascimento. Isso tudo me fez pensar sobre como a vida é um sopro, como ela é frágil e breve. Mesmo que se viva cem anos ainda é breve perante a infinidade do tempo.
O começo e o fim, vida e morte, opostos, porém um completa o outro. De um lado a alegria de uma vida que se inicia e do outro a tristeza de uma vida que se vai. A vida é tão frágil nos primeiros momentos vividos como nos últimos. São coisas que se contrapõem, mas um não existe sem o outro. Enquanto uns chegam outros se vão e a grande roda da vida continua girando sem parar (felicitando os recém-chegados e não tendo pena dos que partem). 
Assim que começamos a viver nossa adolescência não damos muita importância para o tempo - vivemos intensamente todos os nossos sentimentos, choramos como se o mundo fosse acabar amanhã e rimos sem nos importarmos se seremos taxados de loucos. Todo dia é o famoso carpe diem (aproveite o momento) quando estamos passando por essa fase. Quando vamos passando pela vida adulta tudo vai mudando, a percepção do tempo, as coisas que importavam já não importam mais, os sonhos mudaram, os amigos não são mais os mesmos, uns se casaram, outros mudaram de cidade e outros de personalidade (e infelizmente alguns se foram para nunca mais voltarem)
A vida adulta vem nos dar tapa na cara, mostrar que não podemos mais perder tempo porque pode ser que não o tenhamos mais. Cada ano que envelhecemos, antes contávamos como mais um, e era uma festa fazer quatorze para entrar na boatinha e também para tirar a tão sonhada carteira de habilitação, hoje contamos como menos um - menos um ano para conquistar tal coisa, menos um para estar com aqueles que amo, menos um ano para aprender algo novo. E talvez pensamos que temos ainda tanto tempo, mas podemos estar enganados e uma rasteira do destino nos derruba e todos vão comentar ao nosso lado - nossa, ele era tão jovem. Foi cedo demais.
A nossa vida é uma grande plantação e por aqui mesmo colhemos o que plantamos. Se você só plantou coisas ruins até hoje, você só colherá coisas ruins, mas, se passar a plantar coisas boas a partir de agora, até essas árvores boas crescerem e darem frutos, aquelas ruins, plantadas antigamente, continuarão dando frutos, pois, você as regou até pouco tempo. Agora, se souber esperar as plantas ruins secarem, aí sim você colherá apenas os frutos bons. E assim somos postos nesse mundo e como jardineiros, plantando nossas árvores, colhendo nossos frutos, mas também sabendo que fomos semeados e também poderemos sermos colhidos a qualquer momento.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Os Desajustados


 

Para quem não conhece, “Tetris” é um jogo eletrônico tipo quebra-cabeça, formado por peças que vão caindo pela tela e o jogador tem que ir encaixando as peças até que se forme uma linha perfeita na parte de baixo da tela. Quando formada, esta linha é eliminada. Se o jogador não for conseguindo eliminar essas linhas, as peças vão amontoando até chegar ao topo da tela impedindo que mais peças caiam (nessa hora o jogador perde o jogo, pois não conseguiu encaixar as peças corretamente). Este jogo foi popular nos anos 90 aqui no Brasil e muita gente jogou, inclusive eu.

Analisando esse jogo lembrei-me de algumas situações em que as peças das nossas vidas não se encaixam. E nessa hora estamos deslocados, não correspondemos aos padrões que esperam de nós. Todas as outras peças bem encaixadas olham para nós com desconfiança e até desprezo. A engrenagem está andando, todos se sentem confortáveis, mas vem aquela peça deslocada e acaba com a paz de todos. É fácil elas aceitarem uma peça perfeita que caiba no espaço que falta, o difícil é aceitar uma peça mal colocada.

A sociedade vive em uma bolha de perfeição, de comportamentos adequados, de pessoas que são exemplos de algo, de família e de certo e errado. Os chamados desajustados vivem à margem desta sociedade, tendo que conviver com o preconceito, com a discriminação, com o isolamento (não esse isolamento social que vivemos). Alguns convivem com a culpa de serem diferentes, pois simplesmente não são aceitos no meio em que vivem. Esses desajustados se forem fracos, vão sofrendo, sofrendo e sofrendo mais um pouco, até que talvez não aguentem.

Os ditos perfeitos vão cada vez mais expulsando os imperfeitos para fora dos seus convívios. Vão os ignorando, vão evitando contatos e preferem não conviver. Os ajustados não querem ver sua vida bagunçada por algum desajustado, o conto de fadas de uma vida perfeita não pode ser desconsertado e nem estremecido por alguém que pense diferente. A diversidade e a pluralidade de pensamentos não podem intervir em uma vida dita “perfeita”. Ou você, desajustado, se molda à vontade da maioria, ou você não servirá para eles. Há séculos as pessoas vivem assim, aceitando só o que foi-nos dito que é normal e repugnando aquilo que é diferente. O preconceito não é só contra cor de pele, é também contra pensamentos e atitudes que diferem da maioria. Se a maioria de um determinado grupo pensa de uma forma e alguém que seja considerado um desajustado dá alguma ideia diferente, é prontamente descartado sem sequer pensarem no que ele falou. Assim ele vive cada vez mais à margem deste grupo.

Muitos desajustados do passado são hoje considerados grandes gênios da matemática, da física, da literatura, música, cinema, política, etc. Nesses casos, aqueles que eram considerados errados agora são exaltados pelos mesmo que os criticavam. Acontece que, nem todos os desajustados conseguem alcançar um reconhecimento desse tamanho e vivem cada vez mais isolados, mesmo vivendo dentro de uma sociedade. Essas pessoas não têm voz onde estão, não têm poder de influenciar, não têm poder de conviver ou de conquistar a empatia da maioria “perfeita”. Os ajustados, na maioria das vezes, sabem olhar muito bem o erro dos outros e minimamente os próprios erros. Sabem como ninguém apontar o dedo, mas se um desses diferentes ousar lhes apontar o dedo, o leite azeda na hora.

É a grande hipocrisia da humanidade que aprendemos desde criança a aceitar e ter como certa. É o grande círculo do preconceito velado, do fingir que não viu, do fingir que não entende. É esse mecanismo incrustrado na convivência das pessoas que vai deixando o mundo e as pessoas cada vez mais individualistas e separadas, cada um vivendo uma verdade. O pluralismo de ideias, de pessoas, de raças, de cores, é o grande presente que a vida nos deu, e quanto antes aprendermos a usar este presente para o bem da humanidade melhor o mundo estará (ser diferente não quer dizer ser errado).

 

João Pinheiro

joaozinhopinheiro.escritor@gmail.com

sexta-feira, 29 de maio de 2020

A beleza do caminho


Ultimamente tenho ido a pé para o trabalho. Meu trabalho fica perto da minha casa, cerca de setecentos metros mais ou menos (o que dá uns sete ou oito quarteirões). Por isso, levanto as seis e trinta da madrugadaça (risos) e demoro uns cinco minutos para conseguir abrir apenas um olho – geralmente o esquerdo. Com os dois olhos já abertos eu vou ao banheiro escovar os dentes, coloco a roupa do serviço e vou para o trabalho.

Indo a pé ao trabalho, vou percebendo todos os detalhes do caminho. Abrindo o portão de casa já me deparo com a grama verde do meu jardim, com o ipê-amarelo cada dia maior no limite entre a calçada e a rua. Percebo materiais de construção na calçada do vizinho e sei que pela décima vez em cinco anos ele deve estar reformando o fundo da casa dele. Algumas casas adiante eu vou para a rua porque sei que tem cachorros que espreitam nas sombras, com algum tipo de espírito maligno dentro deles, só para me fazerem pular da calçada para a rua com o susto (assim eu poupo o trabalho deles).

Uma leve descida para relaxar e logo vem a grande subida, antes de chegar ao meu destino. Mas sem antes passar pela pracinha do buracão - carinhosamente chamada assim desde que conheço. Pessoas a atravessam indo para os seus trabalhos, alguns a atravessam voltando para suas casas depois de ter trabalhado à noite. O mercadinho em frente já está aberto vendendo pão para o café dos moradores das redondezas.

Enfim, a grande e temida subida, enfrentada com coragem por este que vos escreve, ofegante sim, porém corajoso. Mesmo em meio a essa luta com a tão imponente subida consigo curtir o momento. Subo pela calçada, mas tenho que ficar desviando dos galhos de uma árvore que provavelmente precisa de uma poda. Ao final da subida tem uma porta de um comércio que nunca a essa hora está aberta. O nome desse comércio sempre me chamou a atenção e mesmo sabendo que ele sempre está ali, eu faço questão de ler e imaginar o porquê do nome Meloso´s Car (deve ser o apelido do dono).

Chego enfim ao meu trabalho com uma sensação tão boa que, sei que se eu fosse de carro ou moto eu não a teria tal. Refleti em alguns aspectos, olhei jardins, cumprimentei pessoas, enxerguei detalhes de algumas casas pelo caminho que nunca havia notado. Andei sem pressa, andei curtindo cada passo, olhando cada árvore com atenção, cada pássaro, cada cachorro, cada gato ou pessoa. Senti cheiro de café, de pão, de grama cortada. Ouvi carros e motos passando, passarinhos cantando, televisões ligadas. Toquei nas folhas, nas grades, nos muros. Falei bom dia, oi, como vai, até mais tarde.  

O caminho é para ser vivido e não apenas para passarmos por ele. Como dizia aquela cantora, “a felicidade está no caminho e não no final”. Temos tanta pressa para chegar, como temos para irmos embora. Saímos de carro a toda velocidade e não respeitamos idosos atravessando a rua, não respeitamos mães com carrinhos de bebês e passamos depressa por perto deles. E quando chegamos ao nosso destino vemos que perdemos toda a beleza do caminho. Perdemos todas as sensações de prazer que o caminho nos proporciona. Mas confesso que, durante a tão malvada subida eu penso em ganhar uma carona que me leve até o topo.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Os Pontos...

           Esses dias, enquanto revisava um conto que eu havia escrito, deparei-me com algumas indagações sobre o ponto, é, o ponto, este que vai estar logo ao final desta frase. Viram? Mas as indagações vieram para a vida real. Qual é o ponto da vida em que precisamos terminar uma frase ou um longo parágrafo? Quando devemos dar um ponto, para recomeçarmos logo após ou quando devemos dar um ponto final e começar outra linha?

Todos os dias ao entardecer eu me visto para correr e calço meus tênis. Saio pela rua da minha casa, passo por uma praça, sigo em frente até chegar a uma estrada de terra e por lá eu começo a correr. Ali, sozinho , correndo a passos largos eu vou pensando e digerindo o meu dia, digerindo o que falei para alguém, digerindo relacionamentos, cobranças, trabalho, amores. Ali , em meio às minhas reflexões, acontecem vários pontos na minha vida, alguns pontos finais e outros tantos pontos que servirão para eu recomeçar no próximo dia.

Em um desses dias eu recebi pelo menos uns dois pontos finais que eu não desejava. Dois pontos finais que foram como balas atiradas de um revólver que atingiram bem no meio do meu peito. Corri desesperado por aquela estrada de terra. Eu estava ofegante, mas não conseguia parar – queria que tudo aquilo fosse embora dos meus pensamentos de uma vez. Por isso corri, corri, corri e corri ainda mais e decidi não olhar para trás. O sol foi caindo devagar no horizonte e aquele dia lindo foi se acabando. A noite foi caindo e eu já fazendo o caminho de volta corria um pouco mais devagar. O sol sumiu diante dos meus olhos e uma noite linda surgiu (com uma lua crescente maravilhosa, com as estrelas que ainda não se via claramente e com as luzes da cidade que dali eu conseguia ver acendendo).

Andando os últimos metros antes de chegar em casa, cansado e suado, lembrei-me vagamente daqueles dois pontos marcados no meu peito. Decidi então que não iriam ser pontos finais mortais, mas dois simples pontos de uma história que no próximo dia eu voltaria a escrever. A minha vida está cheia de pontos, pontos finais, dois pontos, reticências e até pontos de cicatrizes já bem curadas e algumas ainda por curar. Mas o ponto final ainda está longe de chegar.

 

João Pinheiro (joazinhopinheiro.escritor@gmail.com)